Cristina Wadner D’Antonio Gonçalves
A arbitragem é o método de solução de conflitos mais utilizado no comércio internacional, principalmente nos contratos marítimos, porém, não é menos verdade que o fator financeiro é um impeditivo principalmente quando uma das partes contratantes é brasileira, já que 100% dos contratos internacionais elegem a realização de arbitragem em câmaras estrangeiras.
Acredita-se que o uso da arbitragem se tornou um costume internacional, mas diferentemente do contencioso judicial e da arbitragem, a mediação é um instrumento mais informal de solucionar controvérsias, isso porque o processo é mais rápido se comparado com as duas outras formas mais utilizadas de promoção de justiça e o mais importante é que a mediação consegue promover soluções amigáveis das controvérsias.
Outro grande ponto de diferenciação é que além de ser um procedimento flexível e resolvido com base no diálogo mútuo, a decisão vinculante não é posta por um terceiro imparcial.
No Brasil, direito interno, a Resolução n° 125 do CNJ significou um marco legal que permitiu a instalação de setores de conciliação junto aos fóruns e em 2015, com maior difusão dos métodos consensuais no sistema jurídico, com o Novo Código de Processo Civil, que reconhece a força dos títulos extrajudiciais internacionais celebrados, tendo previsão legal no artigo 784, XII, § 2º e § 3º, sem a necessidade de homologação judicial, porém sem caráter compulsório, salvo mediante prévio compromisso contratual.
O chamado marco legal da mediação também foi retomado e se tornou a nossa primeira lei específica para mediação de conflitos entre particulares e entre a Administração Pública, a Lei n°13.140, de 2015 (Lei de Mediação).
Juntos, esses diplomas oferecem um caminho propício para o “sistema multiportas” ao institucionalizarem dois sistemas oficiais autônomos de solução de disputas: os métodos consensuais e os julgamentos, ambos no âmbito do Poder Judiciário e em alguma medida integrados ao processo judicial. O atual CPC, logo nas suas “normas fundamentais”, inclui a mediação, conciliação e a arbitragem como as exceções admitidas à garantia da inafastabilidade da jurisdição (art. 3º, parágrafos) – evitando o obstáculo que a Lei da Arbitragem enfrentou.
No âmbito Internacional, a exemplo da Convenção de Nova Iorque celebrada em 1958, que contribuiu para tornar a arbitragem um modo eficaz de solução dos litígios internacionais nas relações econômicas, a Convenção de Singapura, em vigor desde 12 de setembro de 2020 – quando se completaram seis meses do terceiro depósito de ratificação, aprovação e adesão, preenche uma importante lacuna nas opções de aplicação da mediação e fortalecerá o instituto no âmbito internacional, conferindo-lhe certeza e executoriedade.
No dia 4 de junho de 2021 o Brasil assinou a Convenção de Singapura e no último 24 de abril de 2024 foi aprovada pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, cujo o parecer favorável ressalta que “A facilitação e o aumento da segurança jurídica no cumprimento de acordos internacionais resultantes de mediação no Brasil devem trazer como benefício a atração de investimentos estrangeiros e o incremento de oportunidades de transações internacionais e de parcerias comerciais transfronteiriças”, “a mediação apresenta maior flexibilidade procedimental e maior eficiência em termos de custo e tempo de resolução”.
O uso da mediação vem crescendo no cenário internacional com o surgimento de novas leis domésticas e internacionais decorrentes do avançado processo de globalização, porém no comércio internacional, critica-se a baixa utilização da mediação devido à falta de um instrumento que harmonize a execução do acordo mediado.
No direito internacional a mediação é semelhante a definição trazida pela legislação brasileira, a diferença é que o terceiro, o mediador, que auxilia as partes na solução do conflito, pode ser uma pessoa física, um Estado ou um organismo internacional. A mediação, em regra, é facultativa, mas poderá ser obrigatória se estiver prevista em um tratado celebrado pelos países envolvidos e poderá ser realizada por um único mediador como também por um grupo de mediadores. Estes poderão ser rejeitados pelas partes, como também cabem a eles quando escolhidos pelas partes, recusar o encargo.
Mas diferente da arbitragem, a mediação não tinha força, pois suas conclusões poderiam não ser aceitas pelas partes litigantes, e isso não gerava a estas partes qualquer consequência jurídica.
Assim, o propósito da convenção é criar uma norma que permita aos Estados que possuem sistemas jurídicos, sociais e econômicos diferentes, “confiar” em um mecanismo uniforme capaz de promover e garantir o desenvolvimento de pacíficas e prósperas relações econômicas internacionais, propondo-se a estabelecer regras que permitam o reconhecimento dos acordos de transação, realizados através da mediação, entre partes e/ou parceiros comerciais sediados em países diferentes.
Vale enfatizar que a Convenção trata da execução do resultado, não do processo de mediação em si. A mediação de que estamos falando aqui não tem nenhuma ligação com o que é praticado no Brasil como “mediação judicial”, mas sim uma mediação privada como um processo resolutivo que tem como escopo ajudar empresas em disputas comerciais internacionais envolvendo muitos setores de negócios.
Em apertada síntese, a Convenção de Singapura possibilitou que um Acordo de Mediação internacional seja homologado diretamente nos Tribunais judiciais do país onde o patrimônio da outra parte está localizado, capacitando a sua execução internacional.
No mais, temos que a Convenção se aplica a acordos escritos ou registrados resultados de um procedimento de mediação para resolver uma controvérsia comercial entre partes sediadas em países diversos, não se aplicando, porém, a acordos que se referem à resolução de controvérsias com Consumidores e que – de qualquer forma – tenham como objeto (i) a realização de escopos pessoais, familiares e domésticos; (ii) que envolvam Direito de Família, Sucessões ou Trabalho e, por fim aos acordos aprovados ou concluídos em/por Tribunais ou que executam uma sentença judiciaria ou arbitral.
Nesse contexto, cada país é regulado pelas normas de processo aplicáveis e em linha com o estabelecido pela própria Convenção e, na hipótese de uma controvérsia sobre um assunto já resolvido pelo acordo de transação, o Estado signatário deverá permitir à parte poder invocar o acordo de transação desde que isso não conflite com o seu regramento interno.
Para que se possa obter o reconhecimento (doméstico) dos acordos de transação, deverão estes ser o resultado de um procedimento de mediação, os quais também poderão ser reconhecidos quando se concretizem em uma comunicação eletrônica, sempre que (i) seja possível identificar as partes ou o mediador, assim como a vontade das partes ou do mediador em relação à difusão das informações contidas na comunicação eletrônica; e (ii) este método identificativo seja confiável e demonstre ter de facto cumprido os requisitos descritos pela letra (i).
As Autoridades domésticas das diversas jurisdições somente poderão se recusar a executar o acordo em circunstâncias pontuais, como: uma das partes for incapaz; o acordo de transação for nulo, invalido ou ineficaz ou for não vinculante ou não definitivo ou for sucessivamente modificado; as obrigações contidas nos acordos de transação não tenham sidas executadas ou não forem claras ou compreensíveis; o reconhecimento em si for contrário às mesmas previsões do acordo de transação; foi cometida grave e determinante violação por parte do mediador em relação às normas aplicáveis ao mediador ou à própria mediação; o mediador não tenha revelado às partes circunstâncias capazes de levantar dúvidas razoáveis sobre imparcialidade e independência e tal omissão tenha determinado um impacto concreto no processo decisório do próprio acordo; a concessão do reconhecimento seria contrária à ordem pública; as leis domésticas aplicáveis não permitam que o objeto da controvérsia possa ser resolvido através de um procedimento de mediação.
Comenta-se que um ponto de grande relevância desta Convenção é a possibilidade de uma parte executar o acordo, resultante da mediação, no Tribunal local de qualquer um dos países contratantes da Convenção de Singapura, desde que o acordo sido celebrado naquele país ou em outro país contratante.
Ocorre, contudo, até por conta da diversidade cultural dos Estados, que não tratamento para execução do acordo mediado caso não seja cumprido, devendo aquela ser realizada por meio de um procedimento específico legalmente previsto, sendo então seu atual déficit em relação a outros métodos de solução de controvérsias justamente neste ponto: na ausência de um instrumento que harmonize ou unifique a execução do acordo mediado transnacional.
Ao contrário da arbitragem, que conta com a Convenção de Nova York e trata da execução da sentença arbitral, a mediação não possui instrumento semelhante. No âmbito doméstico, a maior parte das legislações garante ao acordo mediado o mesmo status de um simples contrato entre as partes e dessa forma ela é executada.
E, neste ponto, entramos em uma discussão que pertence não somente ao tema objeto deste artigo, mas ao direito internacional que é a uniformização das regras ou pelo menos a sua harmonização, o que vale com certeza outro artigo.
De qualquer forma, tendo como objeto o comércio internacional, a utilização da mediação trazida pela convenção também poderá ser aplicada para os contratos comerciais marítimos, o que se torna um grande avanço para as partes contratantes, que se deparavam somente com a possibilidade da utilização da arbitragem, e agora poderão ter essa escolha, com certeza mais barata para os envolvidos.
Não há dúvidas sobre a importância da arbitragem para a comunidade internacional e para o comércio internacional, mas também não resta dúvidas que a mediação facilitará ainda mais as relações comerciais entre os países e o Brasil, que utiliza o transporte marítimo tanto para a importação quanto para a exportação, poderá se beneficiar bastante com a mediação.
Referências Bibliográficas:
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: Mediação, Conciliação, Tribunal Multiportas. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
Código de Processo Civil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.
Convenção DE Singapura disponível aqui: https://www.uncitral.org/pdf/english/commissionsessions/51st-session/Annex_I.pdf
DECRETO Nº 10.025, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10025.htm
Lei de Mediação. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm.
Lei de Arbitragem. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm.
MARIGHETTO, Andrea. A convenção da ONU e a importância da resolução amigável de conflitos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-25/marighetto-convencao-singapura-resolucao-amigavel-conflitos#_ftn1
Meios Consensuais na Justiça Federal: Onde estamos e para onde vamos? Disponível em: https://www.trf3.jus.br/emag/emagconecta/meios-consensuais-na-justica-federal-onde-estamos-e-para-onde-vamos/?sword_list[]=Entrevista&sword_list[]=com&sword_list[]=Dr.&sword_list[]=Kazuo&sword_list[]=Watanabe&no_cache=1 Acesso em 01/07/2024.
Resolução CNJ 125 de 29/11/2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156
SALLES, LORENCINI E SILVA (coord.), Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem. São Paulo: Ed Gen Método, 2020. Pág. 147-201.
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Manual de Arbitragem. Mediação e Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
TARTUCE, Fernanda. Mediação de Conflitos Civis. 2ª ed., ver., atual., e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.
UNCITRAL Model Law on International Commercial Arbitration 1985 With amendments as adopted in 2006: disponível em://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://uncitral.un.org/sites/uncitral.un.org/files/media-documents/uncitral/en/19-09955_e_ebook.pdf
. A evolução da ordem pública no direito internacional privado. Tese apresentada à Congregação da UERJ para o concurso à Cátedra de Direito Internacional Privado. 1979. Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1979